O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu implementar uma tarifa de 100% sobre filmes que sejam produzidos fora do território americano. Ele justifica essa medida afirmando que a indústria cinematográfica dos EUA está enfrentando uma rápida decadência, devido aos incentivos oferecidos por outros países para atrair cineastas e estúdios. Essa notícia gerou apreensão no mercado, que já vinha lidando com uma recuperação lenta nas bilheteiras desde o surto da Covid-19. Mas, quais seriam as reais consequências dessa decisão para o cinema nacional? Segundo Neusa Nunes, professora de economia no curso de cinema e audiovisual da ESPM, o impacto imediato seria “zero”.
“Não espero reflexos, nem a curto nem a longo prazo”, afirma. “Os contratos para essas produções, que podem ser classificadas como obras internacionais, já estão em andamento. Como esse processo pode levar de dois a três anos, desde a captação até a exibição, não vejo nenhuma consequência imediata.”
A especialista ainda observa que uma possível alteração no preço dos ingressos, que poderia dobrar, teria um “efeito muito baixo” sobre o público. “A motivação intelectual que leva uma pessoa a escolher um filme supera essa questão do preço. Acredito que a demanda por esses filmes é composta por um público americano mais culto, que frequenta o cinema para assistir a obras brasileiras, assim como filmes sobre o Irã e outros temas.”
Questionada sobre o impacto das tarifas na distribuição internacional do filme “Ainda Estou Aqui” se estas tivessem sido implementadas antes do Oscar, Neusa reitera que as distribuições são baseadas em contratos previamente estabelecidos. Uma mudança muito próxima da data do Oscar “não deveria afetar a quantidade de salas” onde o filme foi exibido.
Ela sugere que, paradoxalmente, a tarifa poderia até gerar um efeito positivo, atraindo mais atenção para o filme durante sua campanha de marketing. A afirmação de que filmes estrangeiros constituem uma “ameaça à segurança nacional” poderia, no contexto específico de “Ainda Estou Aqui”, ter um “efeito inverso”, levando “mais pessoas a se interessarem pelo filme”.
A perda maior, segundo Flavia Guerra, colunista do UOL, é de natureza cultural para o público americano. “Ele mencionou em seu post que, acima de tudo, se trata de mensagem e propaganda. Ele também está atento à nossa influência internacional, não apenas à do Brasil.”
As declarações de Trump surgem em um momento de otimismo e recuperação do setor audiovisual brasileiro. Após enfrentar o enfraquecimento dos principais mecanismos de apoio devido a decisões políticas e o impacto severo da pandemia, o cenário atual é de crescimento nos indicadores de público nas salas de cinema. Os dados do Observatório Nacional do Cinema mostram que, após a fase crítica da crise sanitária, o Brasil apresenta uma curva de recuperação nos ingressos:
Público total por ano cinematográfico:
2019 – 173 milhões
2020 – 39 milhões
2021 – 53 milhões
2022 – 114 milhões
2024 – 125 milhões
Além disso, o Brasil está em processo de discutir a regulamentação do serviço de vídeo sob demanda (VoD). Em entrevista recente, a ministra Margareth Menezes enfatizou a importância desse debate, que deve ganhar espaço no Congresso Nacional com o objetivo de estabelecer regras que favoreçam o cinema brasileiro e a produção independente, sem comprometer as plataformas.
Estudos indicam que as plataformas de streaming já conquistaram uma audiência significativa (33,9% em janeiro) e geraram US$ 1,95 bilhão em 2023 no Brasil, mas ainda não estão sujeitas a mecanismos que incentivem a exibição de conteúdo nacional. A ministra expressou otimismo sobre a possibilidade de regulamentação do VoD ainda este ano.
Essa situação, em meio às discussões sobre a taxação das plataformas de streaming, traz uma nova complexidade, criando um “verdadeiro dilema” para as grandes plataformas americanas (como Netflix e Max), que financiam filmes e séries brasileiras, pois agora enfrentam a possibilidade de tarifas nos EUA e também taxação no Brasil.




