JMV News

Marcas de agressividade em dinossauros descobertas no Brasil

O texto foi elaborado por Mauricio Garcia, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), localizada no Rio Grande do Sul, e foi divulgado na plataforma The Conversation Brasil.

Muito antes de o Tyrannosaurus rex e o Velociraptor habitarem a Terra, outros dinossauros carnívoros já se movimentavam nos ecossistemas do supercontinente Pangeia, em áreas que atualmente correspondem ao Brasil e à Argentina. Entre esses seres estavam os herrerassaurídeos, considerados o mais antigo grupo de dinossauros predadores já conhecidos. Esses animais, que viveram há aproximadamente 230 milhões de anos, durante o Período Triássico, foram os primeiros a alcançar o topo da cadeia alimentar entre os dinossauros primitivos.

Uma nova investigação, divulgada recentemente, revelou a presença de lesões nos crânios de dinossauros herrerassaurídeos encontrados no Brasil e na Argentina. Trata-se das mais antigas evidências de lesões em dinossauros e também dos primeiros indícios de comportamento agressivo associados a esse grupo. Os dados obtidos mostram que quase 50% dos crânios analisados apresentavam marcas que sugerem confrontos entre indivíduos da mesma espécie.

Esse tipo de interação agressiva, denominado comportamento agonístico, já foi documentado em dinossauros de períodos posteriores, como o Jurássico e o Cretáceo, mas até então não havia sido observado com tanta frequência em espécies tão antigas. Além disso, os padrões das lesões indicam que essas disputas eram comuns entre esses predadores primitivos.

A pesquisa foi realizada no Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia da UFSM, com a colaboração de um pesquisador da Universidad Nacional de San Juan, na Argentina. O estudo analisou crânios fósseis de herrerassaurídeos encontrados em rochas do Triássico Superior da Argentina e do Rio Grande do Sul, alguns dos quais mostravam marcas visíveis de lesões ósseas, como sulcos, cavidades e áreas de crescimento anômalo do osso, principalmente na face e mandíbula.

Essas marcas não são meramente danos resultantes da atividade de carniceiros após a morte dos animais ou do processo de fossilização. Elas exibem sinais de cicatrização, sugerindo que os ferimentos ocorreram enquanto os dinossauros ainda estavam vivos e que sobreviveram tempo suficiente para que os ossos iniciassem o processo de regeneração. Essa evidência é crucial para entender o comportamento dos primeiros dinossauros, algo que é desafiador ao trabalhar com fósseis esqueléticos.

A localização das lesões, concentradas na cabeça, também é significativa. Isso indica interações direcionadas e sugere que esses dinossauros possuíam um comportamento social que poderia incluir a agressividade, uma característica antes atribuída apenas a grupos mais recentes, como os grandes terópodes, incluindo o T. rex.

Confrontos entre indivíduos da mesma espécie são comuns em diversos animais atuais, e um comportamento típico dessas disputas é a mordida facial. Quando esse tipo de ataque resulta em ferimentos nos ossos, as cicatrizes podem se fossilizar e revelar brigas que ocorreram milhões de anos atrás.

O novo estudo indica que esse tipo de comportamento já existia entre os herrerassaurídeos, mesmo sendo um grupo tão antigo. Isso se baseia não apenas nas lesões faciais, mas também no fato de que elas aparecem exclusivamente entre os herrerassaurídeos dentro do grupo de dinossauros daquele período, sugerindo que os confrontos eram comuns entre eles e possivelmente relacionados a aspectos sociais.

Dos crânios analisados, 43% apresentavam ferimentos compatíveis com agressões, o que significa que quase metade dos indivíduos examinados tinha lesões ósseas nessa região do esqueleto. Essa taxa é similar à de outros dinossauros predadores que viveram muitos milhões de anos após os herrerassaurídeos.

Além disso, alguns dos crânios estudados também mostram marcas menos evidentes, que podem indicar lesões adicionais não confirmadas, possivelmente aumentando ainda mais a frequência observada. Contudo, fatores como a má preservação desses fósseis dificultaram a confirmação definitiva dessas marcas como lesões.

Isso demonstra que interações agressivas não eram eventos raros entre esses dinossauros; pelo contrário, parecem ter sido uma parte do cotidiano, possivelmente relacionadas a disputas por território, alimento ou parceiros. Essa descoberta amplia nossa compreensão sobre a dinâmica social e comportamental dos primeiros dinossauros carnívoros.

Frequentemente, os primeiros dinossauros são percebidos como simples e pouco competitivos, vivendo à sombra de grupos dominantes da época. No entanto, achados como este revelam que, desde os primórdios, eles já eram ativos, complexos e socialmente competitivos.

As cicatrizes também podem nos ajudar a entender a evolução de características como cristas ósseas ou outras estruturas cranianas. Em dinossauros carnívoros, especialmente do Jurássico e Cretáceo, já foi demonstrado que aqueles de maior tamanho corporal apresentavam uma maior diversidade de ornamentos cranianos, possivelmente resultado de seleção sexual ou disputas sociais. Se algo semelhante ocorreu com os herrerassaurídeos é um aspecto que estudos futuros poderão investigar.

Além disso, o tamanho relativamente grande dos herrerassaurídeos e seu papel como predadores de topo reforçam a comparação com os terópodes, grupo ao qual se assemelham por convergência evolutiva. Esse processo explica como linhagens diferentes podem desenvolver características semelhantes ao ocupar o mesmo nicho ecológico.

Comportamentos raramente deixam marcas no registro fóssil. Contudo, algumas exceções podem nos contar muito. As cicatrizes descritas neste estudo atuam como vestígios fossilizados de comportamento, revelando uma faceta da vida dos primeiros dinossauros que não poderíamos acessar apenas por meio da anatomia.

Essas evidências também ressaltam a importância do estudo de paleopatologias, que investiga lesões e doenças em fósseis, para a compreensão da biologia e ecologia de animais extintos. Ao identificar padrões de trauma e cicatrização, podemos reconstruir interações sociais, estratégias de sobrevivência, fisiologia e até mesmo aspectos da evolução comportamental.

Em resumo, essas são as lesões ósseas mais antigas já registradas em dinossauros e muito provavelmente refletem um comportamento agressivo que moldou sua trajetória evolutiva desde o surgimento do grupo no Período Triássico, na região que hoje corresponde à América do Sul. Uma descoberta que, além de preencher lacunas no conhecimento científico, destaca a importância da paleontologia brasileira na compreensão da origem e evolução inicial dos dinossauros.

Acompanhe a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e no Canal do WhatsApp para se manter atualizado sobre o tema!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima