*Este artigo é de autoria da professora Dipa Kamdar, especialista em práticas farmacêuticas da Universidade de Kingston, no Reino Unido, e foi publicado na plataforma The Conversation Brasil.
Uma pitada de canela no mingau, um toque de açafrão-da-terra no curry ou um pouco de gengibre nos biscoitos – essas especiarias são ingredientes comuns nas cozinhas ao redor do mundo. Há séculos, elas não são apenas utilizadas para realçar o sabor dos alimentos, mas também são reconhecidas na medicina tradicional ayurvédica e chinesa por suas propriedades curativas. Contudo, será que uma colher de tempero aparentemente inofensivo pode interferir no funcionamento dos seus medicamentos?
Tomemos a canela como exemplo. Originária da casca da árvore Cinnamomum, ela possui compostos ativos, como cinamaldeído, eugenol e cumarina. O óleo de canela, extraído da casca ou das folhas, é frequentemente utilizado em aromatizantes, perfumes e remédios fitoterápicos.
A canela é associada a diversos benefícios para a saúde: é rica em antioxidantes, pode ajudar a reduzir a inflamação, regular os níveis de açúcar no sangue, diminuir o risco de doenças cardíacas e até melhorar a função cognitiva. Tradicionalmente, também é utilizada para auxiliar na digestão e prevenir infecções.
Entretanto, uma pesquisa recente da Universidade do Mississippi levantou preocupações quanto à possibilidade de a canela diminuir a eficácia de certos medicamentos. Em experimentos laboratoriais, constatou-se que o cinamaldeído ativa receptores que aceleram a eliminação de medicamentos do corpo, o que pode torná-los menos eficazes. Embora esses estudos ainda estejam em estágios iniciais e não tenham sido realizados em humanos, eles levantam questões relevantes sobre a interação da canela com medicamentos contemporâneos.
Outro aspecto importante a considerar é o tipo de canela. A canela cássia, frequentemente encontrada nas prateleiras dos supermercados, é mais acessível e vem de regiões da Ásia. Em contraste, a canela do Ceilão, que é comumente chamada de “canela verdadeira”, tem origem no Sri Lanka e tende a ser mais cara. A canela cássia apresenta níveis mais elevados de cumarina, um composto que pode ser prejudicial ao fígado em altas doses, conforme indicam alguns estudos. Além disso, a cumarina é um anticoagulante conhecido, o que pode ser benéfico na medicina, mas arriscado quando combinado com medicamentos para afinar o sangue, como a varfarina.
Há registros de casos que sugerem que suplementos de canela podem aumentar o risco de sangramento quando consumidos em conjunto com anticoagulantes. Isso pode ser devido ao fato de a cumarina interferir nas enzimas hepáticas que metabolizam medicamentos como a varfarina. Pesquisas também indicam que a canela pode interagir com outros tipos de medicamentos, incluindo analgésicos, antidepressivos, medicamentos anticâncer e antidiabéticos.
Contudo, é essencial lembrar que os riscos estão geralmente associados a altas doses, especialmente na forma de suplementos. É improvável que uma pequena pitada de canela em seu mingau cause complicações.
A cúrcuma, outro tempero com potencial medicinal e riscos associados, é conhecida por sua vibrante coloração amarela e por seu uso tanto na culinária quanto na medicina tradicional. Ela contém curcumina, um composto elogiado por suas propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes.
Entretanto, as informações sobre interações entre cúrcuma e medicamentos ainda são limitadas. A maior parte do que sabemos provém de estudos laboratoriais e em animais, que nem sempre se aplicam diretamente aos seres humanos. Mesmo assim, há evidências de que a curcumina pode influenciar o metabolismo de certos medicamentos, em grande parte por interferir nas enzimas do fígado. Isso significa que ela pode potencialmente interagir com antidepressivos, medicamentos para pressão arterial, quimioterápicos e certos antibióticos.
Além disso, a cúrcuma possui propriedades naturais que podem afinar o sangue, potencializando os efeitos de medicamentos como a varfarina ou a aspirina. Estudos em animais sugerem que a cúrcuma pode também reduzir os níveis de açúcar no sangue, o que poderia intensificar os efeitos de medicamentos antidiabéticos ou da insulina. Além disso, foi demonstrado que a cúrcuma pode reduzir a pressão arterial, o que, ao ser combinado com medicamentos para hipertensão, pode resultar em uma queda excessiva.
Assim como com a canela, esses efeitos são geralmente mais associados a suplementos em altas doses do que às quantidades utilizadas na culinária diária.
O gengibre é outra especiaria renomada por seus benefícios à saúde, especialmente seus efeitos anti-náusea e anti-inflamatórios. No entanto, seus compostos ativos, como o gingerol, também podem afetar a maneira como o corpo processa medicamentos.
O gengibre pode atuar como um anticoagulante leve, o que significa que seu consumo em conjunto com anticoagulantes pode elevar o risco de sangramento. As evidências sobre a relação entre gengibre e diabetes são contraditórias: embora alguns estudos sugiram que ele possa reduzir os níveis de açúcar no sangue, mais pesquisas são necessárias para entender completamente seu impacto quando usado junto a medicamentos antidiabéticos.
Embora estudos laboratoriais indiquem que essas especiarias possam influenciar a metabolização de certos medicamentos, a maioria desses efeitos foi observada em altas doses, geralmente em forma de suplementos, e não nas práticas culinárias cotidianas.
Caso você esteja utilizando medicamentos, especialmente anticoagulantes, remédios para diabetes ou quimioterápicos, é aconselhável consultar seu médico ou farmacêutico antes de introduzir novos suplementos à base de ervas. No entanto, para a maioria das pessoas, o uso de temperos em quantidades comuns na culinária é seguro e pode ser uma maneira saborosa de agregar benefícios à saúde às suas refeições.
Portanto, sinta-se à vontade para adicionar suas especiarias, mas mantenha a atenção sobre o que está em sua prateleira de medicamentos e adote cautela ao considerar qualquer suplemento em doses elevadas.
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