Para Lívia Souza, de 36 anos, a maternidade sempre foi um objetivo de vida. No entanto, um diagnóstico de câncer de colo de útero resultou na remoção do útero e dos ovários, tornando a gestação impossível. Anos depois, ela e sua esposa, Cecília Araujo, de 31 anos, conseguiram realizar esse sonho através da fertilização in vitro.
A jornada começou no final de 2020, durante a pandemia, quando Lívia começou a ter hemorragias menstruais. Naquele momento, não se preocupou muito, já que estava focada em cuidar da mãe, que havia passado por uma cirurgia. Porém, em janeiro de 2021, decidiu buscar orientação médica. Após exames e uma biópsia, recebeu a alarmante notícia de que tinha adenocarcinoma. “Foi um choque. Eu não imaginava que poderia ser câncer, pois não sentia dor, apenas o sangramento”, relembra.
Após o diagnóstico, Lívia consultou um cirurgião oncológico para discutir as opções de tratamento. O tumor tinha 6 cm e a recomendação foi uma histerectomia radical. “Desde pequena, sempre sonhei em ser mãe. Mesmo antes de entender minha sexualidade, já queria vivenciar a gestação. Meu ginecologista me disse que precisava decidir rapidamente se congelaria óvulos, pois o tempo era curto antes da cirurgia. Aquela foi uma fase de luto que eu nunca esperei enfrentar”, recorda.
Ela menciona que tudo aconteceu de forma acelerada, e as lembranças desse período são vagas. A prioridade era tratar o câncer, e o alto custo do congelamento de óvulos complicou ainda mais a decisão. Apesar disso, ela decidiu seguir em frente com o procedimento.
Em fevereiro de 2021, Lívia passou pela histerectomia. Exames adicionais indicaram a necessidade de quimioterapia e radioterapia, totalizando cinco sessões de quimioterapia e 25 de radioterapia, que foram concluídas em junho do mesmo ano. “Foi extremamente difícil passar por isso sem uma rede de apoio, no auge da pandemia. Minha imunidade estava baixa e não podia ter contato com ninguém. Foi um momento complicado”, desabafa.
Desde então, não houve recaídas da doença, e em 2025, Lívia comemora quatro anos em remissão. Cerca de um ano após o diagnóstico, conheceu Cecília no Rio de Janeiro, cidade natal de Lívia, onde Cecília reside há dez anos. “Nos encontramos pouco antes do Carnaval e desde então estamos juntas”, conta.
Em 2022, elas se casaram em uma cerimônia íntima com amigos e familiares e logo começaram a discutir a possibilidade de ter filhos. “Cecília sempre soube do meu desejo de ser mãe e também queria, mas nunca considerou a gestação. Queríamos que o processo envolvesse nós duas, então decidimos que ela seria a mãe gestante”, explica Lívia.
O ginecologista e obstetra Ricardo Nascimento, da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), destaca que gestações via reprodução assistida, independentemente do tipo de casal, não são geralmente consideradas de alto risco, mas requerem um monitoramento mais cuidadoso. “É uma gestação muito valorizada, que necessita de atenção especial do obstetra. O ideal é que o pré-natal seja realizado por uma equipe multidisciplinar, capaz de oferecer suporte físico e emocional”, afirma.
Após duas tentativas de fertilização in vitro (FIV) que não tiveram sucesso, Lívia e Cecília optaram pela análise embrionária, uma técnica que avalia geneticamente os embriões antes da transferência, aumentando as chances de sucesso. Segundo Ricardo, essa análise é recomendada em casos de falhas anteriores, abortos recorrentes ou histórico de doenças genéticas.
“Embora a seleção de embriões geneticamente normais possa, em teoria, aumentar as chances de implantação, o principal objetivo da análise é o diagnóstico genético. O aumento nas taxas de gravidez ainda não é estatisticamente significativo”, explica. Ele ressalta que o exame não identifica condições como autismo, apenas alterações cromossômicas ou síndromes genéticas.
Foi após essa etapa que o tão esperado positivo chegou. “Lembro de cada detalhe. Estava no trabalho quando Cecília me ligou, nervosa, dizendo que havia feito o teste de farmácia antes do tempo. Eu fiquei brava e pedi para ela esperar. Mas quando abri a caixinha e vi as duas listras, não consegui conter as lágrimas”, relata Lívia.
Elas decidiram não saber qual dos óvulos foi fecundado. “Somos um casal de duas mães, uma gestante e uma não gestante. A origem biológica não importa. O filho é nosso”, afirma. Enquanto acompanha a gestação de Cecília, que já está na 24ª semana, Lívia se prepara para um novo marco: está seguindo um protocolo de indução à lactação para poder amamentar o bebê, que se chamará Matteo. “Amamentar me permitirá criar um vínculo ainda mais forte com Matteo, tão significativo quanto a gestação. Quero compartilhar momentos inesquecíveis e vivenciar essa experiência única na nossa dupla maternidade”, conclui Lívia.
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