Escondida sob a superfície, “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” revela uma emocionante jornada de fantasia e ficção científica, resgatando do cinema os primeiros super-heróis da Marvel. O diretor Matt Shakman consegue, em certos momentos, unir elementos de forma magistral, criando um deslumbrante espetáculo visual. No entanto, o verdadeiro desafio enfrentado pela família fantástica não é o temível Galactus, mas sim a dificuldade de se inserir em um universo que já havia avançado sem eles.
Desde o início da produção, o filme lidou com a complexidade de um universo cinematográfico saturado. Quando “Homem de Ferro” estreou em 2008, os direitos do Quarteto estavam nas mãos da Fox, o que significou que a equipe teve que encontrar uma forma de se integrar à narrativa já estabelecida sem causar confusão. O esforço da equipe criativa é palpável, apesar de, em alguns momentos, parecer um desafio difícil de superar.
Entretanto, Shakman e sua equipe encontraram uma solução inovadora. O novo “Quarteto Fantástico” se passa em uma dimensão paralela, onde a sociedade parece ter estagnado na estética dos anos 1960, mas ainda colhe os frutos de avanços tecnológicos que não a privam de uma certa inocência. Nesse cenário retrofuturista, Reed Richards (Pedro Pascal), o Senhor Fantástico de inteligência excepcional e poderes elásticos, lidera sua equipe de heróis, que protege o mundo há quatro anos, equilibrando suas vidas como celebridades com a rotina heroica.
Nos primeiros trinta minutos, “Quarteto Fantástico” se destaca. A origem dos heróis – uma viagem ao espaço que alterou seu DNA, conferindo-lhes superpoderes – é rapidamente apresentada, permitindo que a trama se desenrole. Reed recebe a feliz notícia de que será pai de sua esposa Susan (Vanessa Kirby, a Mulher Invisível), e essa nova fase é compartilhada com Johnny Storm (Joseph Quinn, o Tocha Humana), irmão de Susan, e Ben Grimm (Ebon Moss-Bacharach, o Coisa), melhor amigo de Reed. Com o crime sob controle, a família parece desfrutar de um momento de tranquilidade.
No entanto, essa paz é rompida pela chegada da poderosa Surfista Prateada (Julia Garner), que traz a alarmante notícia de que Galactus (Ralph Ineson) decidiu destruir a Terra. A equipe, chocada, parte em uma missão no espaço – com Sue grávida – na tentativa de impedir a catástrofe. Galactus, por sua vez, oferece um pacto aterrador: poupar o planeta em troca do bebê ainda não nascido, que ele acredita ter um poder imensurável. A resposta da família é, naturalmente, um enfático não!
Ao retornar à Terra, a confiança do público na equipe é abalada, e Reed precisa agir rapidamente para descobrir uma forma de evitar o apocalipse, enquanto também tenta manter a unidade familiar diante da iminente ameaça de Galactus. O filme, embora comece com um ritmo empolgante e termine com um clímax de tirar o fôlego, acaba se perdendo em um meio que remete a fórmulas já desgastadas da Marvel, embora com uma apresentação mais requintada.
A Marvel parece estar em busca de recuperar sua antiga glória, e essa tentativa de renovação sem cair na repetição afeta a fluidez do filme. Afirmar que “Primeiros Passos” supera todas as versões anteriores do Quarteto no cinema ou mesmo as mais recentes produções da Marvel é, de certa forma, uma constatação clara. No entanto, Shakman consegue, em um universo repleto de histórias interligadas, criar uma narrativa que é facilmente compreensível.
O verdadeiro pecado de “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” está em sua falta de foco. Visualmente, o filme é um deleite, apresentando a estética ideal de um filme de super-heróis: texturas, cores vibrantes, nuances e contrastes que se destacam em relação ao material mais monótono da Marvel. O design, inspirado na arte de Jack Kirby, cocriador dos heróis, brilha em seu exagero elegante. O elenco, além disso, é carismático e entrosado, transmitindo a dinâmica familiar da equipe de forma natural, como verdadeiros exploradores e aventureiros, em vez de vigilantes fantasiados.
Curiosamente, esses aspectos não se conectam de maneira eficaz ao longo da trama. Embora “Primeiros Passos” tenha todos os ingredientes necessários, o resultado final é um tanto insatisfatório. A falta de desenvolvimento dos personagens (o conflito de Reed é superficial, enquanto o de Ben é quase inexistente) e a ausência de um forte pulso narrativo prejudicam a transformação das ideias em um espetáculo envolvente. O subtexto sobre a responsabilidade de proteger o planeta não é suficientemente explorado, e a trama muitas vezes se apressa quando deveria desacelerar para permitir que as emoções se consolidem. Falta, por fim, aquela cena que realmente emocione a plateia.
A história ganha novo fôlego quando Galactus finalmente chega a Nova York, e “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” parece despertar de seu torpor. Quando ele avança destruindo arranha-céus como um verdadeiro titã, ao invés de se apresentar como uma nuvem amorfa (um erro do filme anterior), a aventura se transforma em um espetáculo grandioso que reafirma a relevância da era dos super-heróis na cultura pop.
O segredo, como não poderia deixar de ser, sempre esteve ali, evidente desde o início: mais importante do que os efeitos especiais ou a grandiosidade da produção, são as relações humanas que realmente nos tocam. É a lealdade entre amigos, a redescoberta da empatia em um rival, o laço inquebrável entre mãe e filho. Quanto mais “Primeiros Passos” se aprofunda nas emoções, mais o filme ganha força.
Ao final da sessão (sim, há cenas pós-créditos, uma delas mais impactante do que a outra), “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” revela-se uma encantadora aventura de fantasia e ficção científica. Para que o público não opte por outra sala e um bis com “Superman”, a Marvel precisa apenas reconhecer que não é necessário reinventar a roda constantemente; basta seguir os impulsos do coração.




