Realizar uma entrevista com Ozzy Osbourne por telefone em 2018 foi um desafio que lembrava a complexidade de replicar o solo icônico de “Bark at the Moon” — e tudo isso na primeira tentativa, sendo apenas um jornalista. Na época, ele tinha 69 anos e ainda não havia recebido o diagnóstico de Parkinson, embora já houvesse sinais de que isso poderia ocorrer. Sua surdez, característica marcante do lendário cantor de heavy metal, era evidente e foi utilizada a seu favor.
Com dificuldades para compreender a maior parte das perguntas, Ozzy assumiu um papel quase de assessor de imprensa de si mesmo, respondendo apenas o que lhe interessava e evitando entrar em controvérsias. “Oh, cara, não entendi isso que você falou. O que você disse?”, tornou-se um refrão durante a conversa com o UOL.
O cantor, que faleceu na terça-feira (22) aos 76 anos, expressou sua visão sobre a morte de maneira direta: “Não penso na morte. Isso não está na minha mente. Todos nós iremos morrer um dia, e eu também. Meu desejo é estar bem até o fim.” Naquele momento, Ozzy se considerava abstêmio e se afastara das drogas após uma recaída que havia causado tensões em seu casamento com Sharon Osbourne. Ele estava em turnê com a ‘Farewell Tour’, que incluía apresentações no Brasil.
Embora a turnê fosse anunciada como uma despedida, não significava o encerramento de sua carreira. O Príncipe das Trevas continuou trabalhando arduamente até o final.
UOL – O que motivou a decisão de “se despedir dos palcos”?
Ozzy Osbourne – Eu finalizei minha participação no Black Sabbath e pretendo seguir com minha carreira solo. Tenho uma família, sabe? Passei muito tempo longe de casa e não vi meus filhos crescerem. Hoje, o que mais desejo é aproveitar mais tempo com eles.
Mas por que então anunciar uma “Farewell Tour”?
É porque pretendo desacelerar um pouco, entende? Continuarei fazendo shows, mas não quero mais ficar fora de casa de janeiro a dezembro. Tenho meu estúdio em casa e pretendo seguir produzindo música.
Quais são suas atividades preferidas em casa? Netflix?
Faço de tudo. Gosto de pintar, assistir TV, ler livros. Em três de dezembro, completo 70 anos. Passei 50 anos viajando sem parar. Não consigo mais acompanhar esse ritmo. É hora de mudar. O problema é que as pessoas acham que estou me aposentando. Não estou!
Com cinco décadas de carreira, como você compara a importância do Black Sabbath e da sua carreira solo?
Não consigo fazer essa comparação. Tocar com o Sabbath é uma experiência completamente distinta do que faço em meus shows solo. Nossa sonoridade tinha influências de jazz e blues. Minha carreira solo é mais voltada para performances ao vivo. Eu amo os caras [do Black Sabbath]. Não vejo o Toni [Iommi, guitarrista da banda] desde o fim da turnê, mas nossa relação é boa. Ele está se recuperando bem [após tratamento de câncer].
Como é sua relação com as drogas atualmente?
Parei. Não fumo, não uso drogas. Isso estava me destruindo, cara. Por que eu gostaria de morrer assim? Hoje, minha vida melhorou muito. Sou uma pessoa mais confiável e consigo atender melhor às expectativas das pessoas. É muito bom não beber e estar sóbrio. Se alguém tivesse me dito isso antes, eu poderia ter mudado antes. Não bebo e não quero mais usar drogas.
Recentemente, perdemos lendas da sua geração, como Lemmy Kilmister e David Bowie. Como você lida com a ideia da morte?
Não penso na morte. Isso não é algo que ocupa minha mente. Todos vamos morrer um dia, e eu também. Faço 70 anos em dezembro e quero estar bem até o fim.
Quais são suas melhores recordações do Brasil?
A música brasileira é incrível. Vocês são muito apaixonados por ela, quase como uma religião. A recepção que nos dão é sempre espetacular. É maravilhoso estar no Rio. Muita coisa mudou desde que comecei a visitar. Na última vez, consegui passear pela orla. Foi uma experiência muito agradável.
Como está o progresso do seu novo álbum solo [na época, Ozzy iniciava a produção de ‘Ordinary Man’, seu penúltimo trabalho, lançado em 2020]?
Estamos trabalhando nisso. Quero gravar. Minha gravadora está interessada em novos álbuns, pois acreditam que os jovens estão “pegando” nossas músicas na internet e que as gravadoras estão enfrentando dificuldades. Vamos ver.




