Especialistas em direito penal levantam questões sobre a legalidade da detenção de MC Poze do Rodo, incluindo o uso impróprio de algemas, a exposição pública do detido e a violação da presunção de inocência.
O que ocorreu
Cinco possíveis ilegalidades foram apontadas por especialistas em relação à prisão de MC Poze do Rodo, que ocorreu na última quinta-feira (29) no Rio de Janeiro, onde ele foi detido sob as acusações de apologia ao crime e associação ao tráfico. Durante a abordagem policial, o cantor foi algemado e levado sem camisa, com a situação sendo filmada e divulgada nas redes sociais pela Polícia Civil.
Advogados consultados pelo UOL destacam os seguintes aspectos que podem ser questionados juridicamente:
– Uso de algemas sem justificativa adequada, o que pode infringir a Súmula Vinculante nº 11 do STF;
– Transporte sem camisa, que fere a dignidade humana e tratados internacionais;
– Compartilhamento de imagens nas redes sociais, que viola a Lei de Abuso de Autoridade;
– Exposição midiática da prisão, que compromete o princípio da presunção de inocência;
– Riscos à saúde e constrangimento ao ser transportado em um camburão coletivo.
O uso de algemas pode ser considerado abuso de autoridade. De acordo com Welington Arruda, advogado criminalista e conselheiro da OAB-SP, “o uso de algemas é justificado apenas em casos de resistência, tentativa de fuga ou risco real à integridade física”. Ele reforça que a Súmula nº 11 do STF proíbe o uso de algemas fora dessas situações, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui decisões firmes nesse sentido, como nos habeas corpus 146.945/SP e 211.011/MG.
Essas decisões enfatizam a necessidade de justificativas formais para o uso de algemas. No habeas corpus 146.945/SP, o STJ anulou uma condenação porque o réu foi algemado sem uma explicação documentada sobre risco de fuga ou violência. Já no HC 211.011/MG, o tribunal desconsiderou o argumento genérico de “risco à segurança”, reiterando que algemas só devem ser usadas em casos de resistência ativa ou ameaça concreta à integridade de alguém.
A conduta policial pode comprometer a validade do inquérito. Arruda ressalta que irregularidades na abordagem podem afetar a legitimidade das provas. “Se a prisão é marcada por falhas, toda a investigação subsequente pode ser contestada”. O advogado também menciona que a repetição desse padrão em outras detenções pode levar a pedidos de habeas corpus coletivo e ações por danos morais.
A falta de camisa intensifica o constrangimento. Antonio Gonçalves, advogado criminalista, argumenta que “até que a culpabilidade seja provada, o investigado deve ser tratado com dignidade”. Ele acredita que a condução sem camisa, junto ao uso de algemas, aumenta o constrangimento ilegal e viola o artigo 8º do Pacto de São José da Costa Rica, que garante os direitos ao devido processo legal.
As condições do transporte podem comprometer a integridade física dos detidos. Gonçalves critica o uso do camburão com outros presos, afirmando que “é um ambiente insalubre, sem ventilação adequada e com riscos físicos e sanitários”. Segundo ele, esse procedimento pode ser questionado por violar a integridade física dos envolvidos.
A exposição do preso nas redes sociais é inconstitucional. Arthur Richardisson, advogado criminalista e conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vê uma violação direta à Súmula nº 11 e aos princípios constitucionais. “Algemar alguém sem justificativa é inverter a lógica do Estado de Direito”, afirma. Ele observa que a divulgação institucional das imagens pode configurar uma antecipação simbólica da pena e infringir o artigo 38 da Lei nº 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade).
Atuação do Ministério Público
Situações como essa oferecem oportunidade para a atuação do MP e da Defensoria Pública. Richardisson destaca que o uso da imagem do investigado sem consentimento, para fins institucionais, “pode configurar dano moral coletivo”, permitindo a intervenção do Ministério Público em defesa da coletividade. Ele também menciona que a Defensoria Pública pode ser acionada, especialmente em casos que envolvem pessoas em situação de vulnerabilidade.
A seletividade penal compromete a isonomia. Os três especialistas concordam em criticar a desigualdade no tratamento. Richardisson observa que há “fortes indícios de seletividade penal baseada em marcadores raciais e sociais”, ao comparar a abordagem de Poze com a de réus armados ou políticos influentes. “A imagem dele algemado e sem camisa gera ainda mais indignação ao lembrarmos que Roberto Jefferson, mesmo após trocar tiros com a polícia, não enfrentou a mesma humilhação pública”. Gonçalves complementa: “O Estado não pode aplicar critérios diferentes dependendo do CEP ou da cor da pele do investigado”.
A criminalização da imagem acentua a violência institucional. Para Arruda, a divulgação da prisão “reforça estigmas e transforma o processo penal em um espetáculo”. Ele alerta sobre o uso político e midiático das prisões, o que “desvirtua a função institucional da polícia e afronta a presunção de inocência garantida pelo artigo 5º da Constituição”.
Os advogados defendem responsabilização do Estado. Richardisson, Gonçalves e Arruda não descartam ações judiciais contra os agentes públicos e o Estado. As possíveis medidas incluem habeas corpus, representação na Corregedoria, denúncia ao Ministério Público e ação civil por danos morais.