No atual contexto global, a figura de Donald Trump se mostra muito mais impactante que a de Lula, a anistia a bolsonaristas, as decisões do STF ou qualquer outro tema brasileiro. No Domingo de Ramos, forças russas lançaram mísseis balísticos sobre Sumy, na Ucrânia, resultando na morte de 34 civis, incluindo crianças, e ferindo 117 pessoas que estavam a caminho da missa. Na noite anterior, novos ataques em Dnipro tiraram a vida de mais três ucranianos, entre eles uma criança.
Sob a presidência do Canadá, o G7 se preparou para emitir uma condenação formal ao ataque em Sumy. No entanto, os Estados Unidos se opuseram a assinar o documento, adotando uma postura semelhante à que tiveram na ONU em fevereiro, quando rejeitaram uma resolução europeia que denunciava a agressão russa à Ucrânia.
Ao se referir ao ataque em Sumy, que ocorreu apenas dois dias após uma longa reunião entre Vladimir Putin e o enviado especial americano a Moscou, Steve Witkoff, para discutir um cessar-fogo, Trump descreveu o incidente como um “erro” da Rússia, e não houve mais comentários a partir daí.
A Casa Branca justificou a falta de ação e a hesitação dos EUA pela necessidade de manter diálogos de paz com a Rússia. Mas que tipo de paz é essa? A paz defendida por Trump, é bom frisar, equivale à rendição da Ucrânia. Em entrevista à Fox News, Witkoff sugeriu que os Estados Unidos poderiam aceitar que a Rússia mantivesse os cinco territórios ucranianos que ocupa ilegalmente.
É uma anomalia duas potências discutirem os destinos de um terceiro país, enquanto o próprio país afetado não é parte da conversa, algo que agrada tanto a Vladimir Putin, nostálgico de imperialismos passados, quanto a Donald Trump, que sonha em exercer controle sobre o Canal do Panamá e a Groenlândia dinamarquesa.
O comprometimento de Trump em agradar o regime russo é ainda mais alarmante, pois exclui a Europa das negociações sobre a paz na Ucrânia, mesmo com seu aliado Marco Rubio (que, até ele, Rubio?) fazendo o possível para manter a aparente solidariedade. Recentemente, o secretário de Estado americano, junto a Witkoff, esteve em Paris para dialogar com Emmanuel Macron.
É inegável que Donald Trump posiciona-se claramente, e esse posicionamento não favorece os ucranianos, tampouco os europeus ocidentais, que são os próximos alvos da ambição de Putin. Um dia após classificar o massacre em Sumy como um “erro” russo, Trump voltou a adotar a postura de culpar a Ucrânia pela guerra.
Ao negar o pedido de Volodymyr Zelensky por mais mísseis defensivos americanos, Trump declarou que “não se inicia uma guerra contra alguém 20 vezes mais forte e espera que as pessoas lhe forneçam mísseis”. Para agravar a situação, há rumores de que os Estados Unidos estão pressionando a Europa a restringir o envio de armas para os ucranianos.
Esse comportamento favorece as manobras de chantagem de Vladimir Putin e seus aliados. Um exemplo recente foi a declaração da porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, que ameaçou a Alemanha por fornecer mísseis Taurus à Ucrânia, afirmando que um ataque com esses mísseis contra instalações russas seria considerado uma participação direta da Alemanha nas hostilidades.
A era Trump tornou o cenário global mais arriscado, à medida que sua benevolência em relação a regimes autoritários contrasta com sua hostilidade a democracias. Este clima de absurdo é exemplificado pela recusa infantil do presidente americano em dialogar com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, seja pessoalmente, ao telefone ou de qualquer outra forma.
Diante disso, Ursula se viu obrigada a recorrer à primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, como intermediária para negociar tarifas de importação absurdas impostas por Trump a aliados que não são a China. Antes da visita de Meloni a Washington, as duas elaboraram um roteiro, evidenciando a anomalia de a líder da União Europeia não ter um canal de comunicação direto com o presidente dos Estados Unidos. A crença de Trump de que essa birra poderia dividir os europeus é apenas mais um exemplo de sua arrogância.
“O Ocidente, como o conhecíamos, já não existe”, declarou Ursula von der Leyen ao jornal Die Zeit. O Ocidente sucumbiu em termos militares, geopolíticos e comerciais, não com um estrondo, mas sim com risadas de escárnio em Washington e Moscou. O colapso do Ocidente não trará um desfecho favorável para ninguém, nem mesmo para aqueles que contribuíram para sua queda.
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