Uma gravação telefônica obtida durante a operação Overclean expõe um funcionário de uma empresa sob investigação discutindo o uso de trituradores para eliminar documentos, apenas quatro dias após a Polícia Federal (PF) ter confiscado a contabilidade ilegal do grupo em questão. Na conversa, os interlocutores, Geraldo, o funcionário, e Iuri, um conhecido, falam sobre uma “operação de limpeza” na Larclean, uma das empresas implicadas em fraudes relacionadas a contratos de alto valor, parcialmente financiados por emendas parlamentares.
A Larclean é associada aos irmãos Fabio e Alex Parente, que, junto com José Marcos de Moura, conhecido na Bahia como o Rei do Lixo, são considerados líderes da organização investigada pela PF. A PF menciona essa conversa em um documento que fundamentou a terceira fase da operação Overclean, aprovada pelo ministro Kassio Nunes Marques do Supremo Tribunal Federal. Um dos crimes em apuração nesta fase é a obstrução da Justiça.
A interceptação ocorreu no dia 7 de dezembro de 2024, quatro dias depois que a PF conduziu uma ação controlada que resultou na apreensão de R$ 1,5 milhão e da contabilidade clandestina em um avião que partiu de Salvador em direção a Brasília. A PF afirma que o diálogo evidencia um plano para eliminar provas, em resposta a uma ordem direta de Alex Rezende Parente, um dos líderes identificados da organização criminosa.
O conteúdo da conversa sugere que os dois estavam determinados a “frustrar a ação penal” e garantir “impunidade” para os membros do grupo. “Estava na Larclean, despachando com o Alex. Rapaz, e os caras estão fazendo uma operação de limpeza na empresa. Você não tem ideia”, iniciou Geraldo. Ele menciona que questionou Alex Parente sobre possíveis suspeitas e recebeu a resposta de que não tinha certeza, mas que haveria uma “caça às bruxas”.
“Ele até falou, vem cá, você que trabalha com prefeitura, ele comentou sobre cotações de outras empresas, qualquer coisa de transferência, documento impresso, arquivos salvos no computador… ele [inaudível] limpa tudo, porque disse que vem uma operação forte aí”, continuou Geraldo. Iuri respondeu: “Sempre que acontece assim, vem essas operações”.
Geraldo enfatizou que tudo que fosse impresso ou relacionado a propostas de terceiros deveria ser destruído, e Iuri sugeriu: “A gente compra o triturador”. O funcionário revelou que já havia três trituradores em funcionamento na empresa, indicando um esquema sistemático para eliminar documentos. A PF considerou esse fragmento da conversa “extremamente relevante” por evidenciar o uso de equipamentos dedicados à destruição em larga escala de documentos, reforçando a gravidade da tentativa de obstruir a Justiça.
A PF também constatou indícios de que a destruição de provas, especialmente com o uso de trituradores de papel, ocorreu durante a primeira fase da operação, em 10 de dezembro, apenas três dias após a conversa. Na área externa da empresa, foi encontrado um saco com papéis picotados, evidenciando a tentativa organizada de eliminar vestígios de atividades ilícitas.
A operação Overclean tem como alvo contratos milionários de empresas vinculadas aos irmãos Alex e Fabio Parente com diferentes órgãos governamentais. A Allpha Pavimentações, uma das empresas investigadas, recebeu R$ 67 milhões do governo federal entre 2021 e 2024, a partir de um montante total de contratos que chega a aproximadamente R$ 150 milhões. Os pagamentos, que começaram em junho de 2021 e se estenderam até julho de 2024, ocorreram durante os governos de Jair Bolsonaro e Lula.
A PF iniciou as investigações para apurar irregularidades em um contrato do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), mas o escopo se ampliou após a análise de dados obtidos através de quebras de sigilo e gravações ambientais, revelando a atuação de um grupo de empresas em contratos fraudulentos com o governo. A primeira fase da operação foi deflagrada em 10 de dezembro, após a apreensão de documentos em um avião que transportava Alex Parente e outros envolvidos.
Com o avanço das investigações, a PF prendeu várias pessoas em ações subsequentes até que o caso foi encaminhado ao STF em janeiro de 2025, após surgirem indícios que implicavam outras figuras públicas. Até o presente momento, a apuração já envolve cerca de 100 indivíduos.