Durante minha trajetória como repórter em uma renomada editora, tive a oportunidade de participar de encontros com os leitores da revista onde trabalhava. Nesses diálogos, um grupo de assinantes se reunia para debater as matérias publicadas e sugerir temas que gostariam de ver abordados. No entanto, ao serem questionados sobre suas reportagens preferidas, muitas vezes mencionavam textos que não estavam relacionados aos interesses que haviam previamente expressado. A conclusão que tirávamos dessas reuniões era clara: o público costuma desejar consumir aquilo que ainda não percebeu que quer.
Com mais de uma década de experiência na produção audiovisual, estou convencido de que essa dinâmica é igualmente válida no universo de filmes e séries. Embora os algoritmos das plataformas consigam analisar os padrões de consumo para identificar os gostos dos espectadores, eles não têm a capacidade de antecipar os anseios do inconsciente coletivo. Se nos limitássemos apenas ao que os dados indicam, provavelmente “Round 6”, da Netflix, não teria sido criada. Afinal, uma série dramática que explora a violência e traz uma crítica social contundente não se encaixava no perfil de sucesso do streaming até então.
Após três temporadas notáveis, “Round 6” chegou ao seu desfecho na última sexta-feira, deixando uma importante mensagem: é fundamental investir em produções audaciosas, que se afastem do convencional e abordem temas ainda não explorados pelo público. É evidente que esse tipo de investimento pode resultar em mais erros do que acertos, e o setor audiovisual é uma indústria que requer retorno financeiro. Contudo, sem a ousadia de arriscar, obras como “Round 6”, “Bebê Rena” e “Adolescência” — outros dois sucessos da Netflix — jamais teriam sido realizadas. A coragem de apoiar essas produções certamente acrescentou valor à Netflix, gerou lucros e abriu novas possibilidades para a empresa.
É crucial entender que o público nem sempre consegue articular em palavras ou ações o que realmente deseja. Portanto, cabe aos executivos das plataformas terem a sensibilidade necessária para identificar conteúdos inovadores que surpreendam os espectadores e se empenhar para que esses projetos se concretizem. Embora essa tarefa seja ingrata, é esse tipo de iniciativa que garantirá a longevidade e o prestígio das plataformas de streaming. Afinal, o padrão repetitivo e o convencional já se tornaram excessivos na televisão aberta.
								



