Quando tinha apenas quatro anos, Jessica Aparecida Cardoso Sacardo, hoje com 32, sofreu uma fratura no fêmur devido a uma queda em casa. Embora essa lesão seja comum na infância, ela desencadeou uma série de complicações que levaram a bancária a decidir, em novembro de 2023, pela amputação de sua perna.
Normalmente, uma fratura do fêmur se cura com repouso e fisioterapia. No entanto, o episódio na vida de Jessica afetou o crescimento do osso, resultando em uma diferença de comprimento de aproximadamente 2 centímetros entre suas pernas. As tentativas de corrigir essa assimetria culminaram na decisão de amputar o membro.
Apesar de ainda estar em fase de crescimento, um médico sugeriu um procedimento de alongamento ósseo para corrigir a desproporção. Esse tratamento envolve a criação de uma microfratura no osso, seguida da instalação de um fixador externo para realinhar a estrutura óssea. Jessica passou cerca de seis meses com a gaiola, mas, em vez de melhorar, o tratamento resultou em deformidades, agravando sua condição. “Foi um erro médico. Minha perna começou a ficar bem torta”, conta.
Quando a gaiola foi removida, o membro já apresentava um encurtamento significativo e deformidade. Embora tenha abandonado o tratamento, conforme crescia, a diferença de comprimento se acentuava e afetava sua mobilidade.
Aos nove anos, um novo acidente agravou ainda mais a situação, resultando em uma nova fratura do fêmur. A família decidiu procurar outro especialista, que recomendou a suspensão de qualquer tratamento de alongamento para prevenir danos adicionais.
Ao chegar à vida adulta, Jessica já apresentava uma diferença de 24 cm entre as pernas. Ela utilizava órteses para tentar nivelar os membros, optando por roupas largas para esconder sua condição e evitando situações em que pudesse se expor.
Em 2019, já adulta, encontrou um médico que sugeriu um novo tratamento de alongamento, utilizando uma haste interna conhecida como ISKD. A cirurgia, chamada osteotomia, alinhou a estrutura da perna, mas trouxe complicações. “Foi um tratamento doloroso, enfrentei trombose devido ao tamanho da cirurgia. Mas seguimos em frente. Contudo, a pandemia interrompeu meu tratamento porque os materiais importados não chegavam. A cirurgia afetou muito a estrutura da minha perna, e precisei usar muletas por cinco anos, enfrentando limitações nos movimentos”, recorda.
Apesar das dificuldades, Jessica voltou ao trabalho e tentou manter sua rotina. Em 2022, uma nova queda em casa resultou em uma fratura no tornozelo, que envolveu tíbia e fíbula. Os médicos hesitaram em realizar a cirurgia devido à complexidade do caso, e Jessica foi imobilizada com uma tala, mesmo com os ossos desalinhados. Enquanto aguardava o retorno do especialista, descobriu que estava grávida. “A cirurgia representaria um risco para o bebê, então decidi não realizá-la. Fui medicada e fizemos ajustes na imobilização”, explica.
Jessica enfrentou a gestação com o tornozelo quebrado e severas limitações. Poucas semanas antes do nascimento de sua filha Arya, uma nova queda resultou em outra fratura nos mesmos ossos. “Foi uma fratura muito dolorosa, quase exposta. Senti uma dor intensa e temia perder minha filha. No hospital, conversei com minha família e decidi que não passaria mais por isso”, relata.
O trauma da dor a levou a optar pela amputação da perna. Mesmo grávida, Jessica fez o pedido ao médico e procurou uma clínica de reabilitação para providenciar uma prótese futura.
A cirurgia de amputação foi realizada cinco meses após o nascimento de Arya, em julho de 2023, e a transição exigiu adaptação e enfrentamento da dor fantasma. “Foi um marco na minha vida, embora o início tenha sido desafiador. Sofri com dor fantasma e muitas limitações. Tive que esperar alguns meses para usar a prótese devido à inflamação nos pontos. Mas comecei minha reabilitação assim que pude”, diz.
Apesar das dificuldades iniciais, Jessica considera a amputação a melhor decisão que tomou. “Ganhei liberdade. Nunca tive isso ao longo da minha vida. Antes, vivia como podia. Hoje, posso sair com minha filha, cuidar dela e caminhar ao seu lado”, afirma.
Especialistas alertam que fraturas na infância, se mal tratadas, podem resultar em complicações duradouras. A fisioterapeuta Maria Laura Cardoso, de Brasília, destaca que a falta de acompanhamento adequado pode levar à morte do tecido ósseo e infecções que exigem amputação. “Além disso, especialmente em crianças, pode ocorrer um desenvolvimento desigual dos membros, resultando em alterações na postura e na marcha. Um acompanhamento próximo e intenso é essencial para evitar agravamentos. Quanto mais cedo o atendimento multidisciplinar for iniciado, melhor”, orienta.




