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“O Esquema Fenício” traz Wes Anderson em sua melhor forma: afiado e surpreendentemente emocional

Nas redes sociais, circula uma piada sobre um homem que, ao final de uma sessão de “O Grande Hotel Budapeste”, se vira para sua companhia enquanto as luzes se acendem e diz: “Bem-vinda ao mundo de Wes Anderson”. Achei a cantada divertida, mas não posso discordar da afirmação: o cinema desse diretor norte-americano realmente nos transporta para um universo peculiar.

“O Esquema Fenício” é mais um capítulo na trajetória de Anderson, que desde “Budapeste” vem refinando sua estética com quadros simétricos, cenários deliberadamente artificiais e diálogos sempre inteligentes e dinâmicos. Sua marca registrada é inconfundível, mesmo que, desta vez, a narrativa careça de um toque extra que a distinga de sua fórmula habitual. Apesar disso, a experiência visual continua a ser encantadora, refletindo seu inegável estilo vintage.

Benicio Del Toro, que já apareceu em “A Crônica Francesa”, assume o papel principal como Zsa-Zsa Korda, um empresário, investidor e traficante de armas. Após sobreviver a mais uma tentativa de assassinato e enfrentar o juízo de sua moralidade em uma breve passagem pelo além, o implacável magnata elabora um plano para concretizar seu projeto mais audacioso — ao mesmo tempo em que busca restabelecer laços com sua filha.

O filme apresenta um sentimentalismo palpável na relação entre pai e filha, que se aprofunda ainda mais do que em outras obras de Anderson. Sua filha, Liesl (Mia Threapleton, estreando com o diretor), é uma noviça chamada a deixar o convento para gerir os negócios do pai. Embora inicialmente hesitante, ela começa a considerar a proposta, enquanto desvenda as fraquezas de Zsa-Zsa.

Centralizando essa dinâmica emocional está o próprio esquema fenício, onde Zsa-Zsa, alvo de um consórcio internacional que deseja encerrar suas operações financeiras, busca investidores para assegurar a industrialização do fictício país Fenícia e embolsar 5% dos lucros ao longo de 150 anos. O elenco principal também conta com Bjørn (Michael Cera, também um novato na equipe), um entomologista que se torna “assistente administrativo” de Del Toro.

Durante essa jornada, Anderson apresenta uma galeria de personagens de seu elenco habitual (incluindo Tom Hanks, Scarlett Johansson, Mathieu Amalric, Willem Dafoe, Bill Murray e um Benedict Cumberbatch com uma maquiagem exagerada) que colocam os protagonistas em situações cada vez mais inusitadas. A habilidade do diretor em conectar cada parte da história em uma narrativa coesa continua a ser admirável.

Outro talento de Anderson é provocar reflexões por meio de sua fantasia. Se “Os Excêntricos Tenenbaums” aborda a alienação parental e “O Grande Hotel Budapeste” discute as repercussões do fascismo, nesta obra ele insere comentários sociais sutis, apresentando revolucionários em defesa do povo e os riscos da concentração de poder nas mãos de oligarquias, sempre sob a ótica de uma família disfuncional.

Acima de tudo, “O Esquema Fenício” é um cinema mordaz, hipnotizante e repleto de diversão. Ele se insere no universo único criado por Anderson, mesmo que cada filme explore um microcosmo distinto. É uma peça de teatro comunitário entremeada por gags de cinema mudo e sessões de terapia coletiva. É uma experiência cinematográfica singular. E mais uma oportunidade para que o galã hipster faça um “Bem-vindo a Wes Anderson” sem receio do meme.

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